conto: Terra arrasada assim como eu



Meu Mundo e Nada Mais – Guilherme Arantes / Terra devastada – text ...

Abraçou o pai antes no meio da madrugada. O ar estava frio e úmido, garras geladas percorreram sua coluna quando o pai fechou a porta deixando-as para traz. A guerra inundaria a planície logo após o alvorecer. E antes do sol se por a vila queimaria até nada restar.

Minutos depois Mirla juntou os últimos trapos numa trouxa pequena e correu para o pátio onde uma carroça puxada por um velho jumento estava parada.

_Calma Manhoso, levaremos você para as campinas atrás dos Montes Azuis e poderá comer toda grama que conseguir. Afagou o focinho do bicho. Ele não pareceu mais animado.

Todas as famílias estavam partindo ou já haviam partido procurando abrigo em terras mais seguras. Se é que segurança ainda poderia ser alcançada em qualquer parte daquele país.

_Mirla, Ajude-me com essa cesta. Ela esta pesada. Chamou Janille com uma voz rouca de quem chorara a pouco.

Janille era uma jovem com pouco mais de 19 anos, estava grávida de sete meses e caminhava engraçado por causa da barriga avantajada pela gestação. Era a nova esposa de Delony, bravo soldado recém admitido no terceiro destacamento de Cidade Verde. Janille era minha madrasta.

Agarrou a cesta que estava a ponto de cair nas mão brancas de Janille. Estava realmente pesado, precisou usar toda a força para não derrubar seus únicos mantimentos pelo chão. Arfando colocou a cesta na carroça e ajudou Janille a sentar na tábua de madeira que servia de banco para o condutor.

_Aloee. Vamos Manhoso. Aloeee.

A carroça se movia com dificuldade na rua escuracada, a maioria das pessoas não tinha uma carroça para usar e olhavam invejosas para nós. Apesar de estarmos todos esfarrapados e famintos, ninguém seria vil ao ponto de tomar uma carroça de uma menina e de sua madrasta em avançado estado gestacional.

O fim da rua também era o fim da vila. Dali em diante rumariam para o Sul por uns dois dias e depois seguiriam a Estrada da Fortaleza seguindo a Sudoeste e depois Norte e se tudo desse certo em 3 dias estariam abrigadas nas cavernas profundas e mais um dia e estariam nos campos pacíficos entre as muralhas naturais que eram os Montes Azuis. Uma viagem longa e cansativa. Mas era a única esperança para todos. Uma vitória em combate não era descartada mas as chances eram pequenas demais para acreditar.

Afastou o pensamento de derrota da mente e olhou para o caminho de onde vinha. Logo o sol nasceria e tocaria os ramos mais altos da Árvore Sagrada na colina atrás de onde a vila foi fundada. E depois jorraria luz para todo vale logo abaixo e a fachada da casinha de sapé, que foi seu lar, colheria alegre a luz abençoada pelo sol e pela Árvore Sagrada.

_Eu não estarei lá para ver, talvez nunca mais esteja. Abandonou também esse pensamento porque pareceu-lhe triste pensar em coisas que “nunca mais”. Olhou novamente para o caminho que deveriam seguir a estada era de barro vermelho e por ela um enxame de tristes criaturas moviam-se na mesma direção. Todos partindo para longe. Tentando animar Janille perguntou se o bebê já tinha chutado hoje.

Janille não respondeu, absorta em pensamentos, olhos inexpressivos como os olhos dos mortos.

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